Contos que Conto ...Minhas Asas
Nem sempre meus dias são tão claros ou as noites estreladas, num profundo céu aberto e limpo, nem sempre. Há o dia em que meus olhos não abrem, meu pensamento se cala, minhas mãos se fecham, afim de um murro breve. Uma borboleta vem me ver pelas manhãs cinzas, seria ela minha mágica? Meu despertar desesperador? Ela aparece colorida como sempre, com seu bater de asas suaves, no seu ziguezaguear ao redor da varanda. Nem sempre estou à toa sentimentalmente, nem com aquele sorriso largo que trouxe da juventude, tampouco com aquele rebolado em frente ao fogão, nas tantas tentativas vãs de se preparar panquecas, nem sempre estou assim, de bem com a vida. As noites sempre são solitárias, o vento do lado de fora sempre sopra fraco, quase parecendo sussurrar um certo medo ao meu ouvido, sem falar nos ecos fartos do quarto, sem censura, fico trêmula, muda e pálida. Nem sempre sou assim tão triste e acho que “A tristeza é a pior coisa que existe”. Hoje resolvi então compor um samba... ”É preciso um bocado de tristeza”, como já dizia o mestre. E a tristeza grita tão desencadeada aqui dentro do peito, sem pudor, sem melodia certa ou letra correta, tampouco rimas exatas, porque é assim mesmo que se faz música. Apesar desta mulher silenciosa aqui dentro, de manhãs incertas. Se não fosse por aquela borboleta colorida em dias estranhos, esta fêmea encabulada que mora em mim já tinha partido, estaria morta, estaria sendo lembrada numa canção morna. Nem sempre meus dias são realmente dias. Meu passado está pronto no refrão, as experiências, tolices pobres que me compõe inteiramente. O suficiente está no papel, o que sobra, estes restantes de mim, as marcas impagáveis, agora são lembranças, meras cicatrizes, e também um simples doce, um doce suave na boca, sabor que não pode mais ser tragado. Completo meu voo, nestas incógnitas construídas por mim mesma, me jogo no calabouço das mentiras, das minhas próprias mentiras e viro notícia, sucesso absoluto, reflexiva nos corpos juvenis que rebolam sem vergonha alguma por aí nos bailes de máscaras. A borboleta hoje cedo não veio me ver. Estou nela, com lindas asas transparentes. Meu samba? Deixo aí em algum dia incomum, sussurrando na varanda de mais um corpo aflito, de mais um pensamento absurdo e frenético. Onde estou poderei recomeçar.
Por Sulla Mino
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