COMO DOIS ANIMAIS
Na execução de seus ofícios, provavelmente tinham como objeto a mesma alma, cada um querendo-a para si. Encontraram-se numa balada, estavam dançando embriagados pelo ritmo quente, inebriante e delirante quando seus corpos se tocaram de leve, mas o suficiente para experimentarem uma sensação estranha, deliciosa. Agora propositalmente se roçavam: uma, duas, tantas e tantas vezes; ela para sentir um calor, leve ardência no ponto em que sua pele era tocada, ao passo que ele sentia como um sopro de brisa ou o contato macio de uma pluma. Então ficaram de vez, dançaram a noite toda embalados por aquela sensação estranha. Os olhos azuis dela, quase transparentes, não conseguiam se desgrudar daqueles olhos negros, poderosos e dominadores.
Eles tinham que descobrir o porquê dessa força estranha que os impelia como se tivessem que se unir, e assim, na madrugada fria, ao hálito da primavera, como duas criaturas livres, se entregaram e se amaram ao relento, como dois animais.
No seu jeito rude ele sentia que ela era uma mulher muito diferente de tantas outras que a ele se entregaram. Ela parecia que flutuava, enquanto seus ouvidos escutavam cânticos, e se deleitava com o calor intenso do contato delicioso... E se deixou levar, em frenesi, naquela viagem rumo ao desconhecido.
Amaram-se até o esgotamento, dormiram abraçados e só acordaram na aurora. Despediram-se, e cada um seguiu o seu rumo, deixando vestígios na relva marcada por acomodar aquele inusitado encontro. Ela recompondo a sua natureza de anjo mensageiro, feliz por ter sentido algo maravilhoso, indefinível, até então desconhecido. Ele, regozijando-se por mais uma presa conquistada, mas sentindo, entretanto, que aquela tinha alguma coisa especial, seguiu arrastando a cauda e escondendo os cornos desvelados. Retornaram cada um ao seu lugar, sem realizar o objetivo que os levou até ali.
Mario Rezende
Mario Rezende
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