terça-feira, 7 de maio de 2019

#MemóriasdaPoetisa #2010 [Sobre transformar trabalho em poesia]



O ano é 2010. Lembro-me do salão esfumaçado pelos cigarros, do cheiro abafado de tabaco, cerveja, comida e papel. O salão era pequeno e tínhamos o constante receio de que mais hora, menos hora, fosse fechado – afinal, ainda se discutia a legalidade ou não do jogo em nosso país e, até aquele momento (e até hoje) o jogo vinha sendo considerado ilegal. Enquanto as rodadas iam se repetindo, eu vendia meus lanches mesa por mesa, pegava cafés e observava as pessoas – aliás, muito embora a escrita tenha sido minha diversão desde tenra idade, foi verdadeiramente nos salões dos bingos que comecei a observar as pessoas, entendendo-as como personagens. Lembro que,  por vezes eu pegava uma cartela usada e me colocava a escrever poesias na parte de trás – hábito cuja freqüência crescia nos meses chuvosos e nos meses frios, principalmente no horário da noite. E especialmente, lembro de ter, certa vez, decidido escrever algo poético sobre... Bingos! Pois é, decidi que o trabalho deveria ser também um motivo de poesia – como tudo na vida. E eis que surge este poema simples e engraçado que, por alguns meses chegou a ficar afixado junto aos locutores:

Bingo
Bolinhas que pulam
Bolinhas numeradas
Bolinhas que falam
As linhas premiadas
Doces rodadas
Lindas partidas
Especiais bem lentas
Outras bem corridas
A boa! Bingo! Linha!
Passa a régua
“Só emoção”
Bingos eternamente
Em meu coração

(29-03-2010)

Os empregos sempre nos ensinam alguma coisa – comecei a trabalhar como garçonete em bingos no ano de 2005, permanecendo até 2010. Neste período vivi “causos” engraçados e também me estressei muito. Tomei gosto pelo trabalho pesado, aprendi a gostar de trabalhar com o público: era necessário atender bem, com rapidez e disposição – mesmo quando a madrugava já avançava junto com o sono. Ter trabalhado em bingos certamente me fez atenta e paciente e eu não tenho vergonha nenhuma de ter transformado os salões em poesia, mesmo que isso me tenha custado várias piadas.

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