terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Dica literária: As Ilusões perdidas (Balzac)

Um livro que , respeitadas as mudanças de costumes trazidas pelo decorrer das décadas, mantém-se desconcertantemente atual. O autor, magistralmente, mostra a força da imprensa, que já em seus primórdios parisienses, mostrava-se capaz de alavancar a reputação de obras e pessoas – ainda que estas não merecessem – ou de derrubar tantas outras obras e pessoas que mereceriam a glória almejada. Mostra também as intrigas de uma sociedade aparentemente perfeita. Acaso não vivemos assim hoje? Temos por verdade absoluta o que publicam jornalistas, deixamo-nos levar pela aparente perfeição desta ou daquela família e envolvemo-nos em intrigas que não nos dizem respeito. Acaso ainda hoje o dinheiro não tem sido capaz de comprar opiniões? O capital mostra-se cada vez mais cruel, comprando a honra dos que deveriam dedicar seu tempo a elevar as condições de vida da população? Não causa estranheza notar que já em mil oitocentos e tanto era assim? A humanidade acaso não consegue aprender a lição e despojar-se de supostas e falsas honrarias em busca de uma vida pacífica e igualitária?
Luciano é um anti-herói: Rapaz da província, órfão de pai, mantido pelo esforço da mãe parteira, da irmã engomadeira e do amigo, dono de uma tipografia e inventor, almeja alcançar a glória literária, envolve-se com uma senhora da nobreza, casada e que o toma por protegido levando-o para Paris após o que poderia ser um escândalo. Na capital ele irá vivenciar o abandono, a desilusão, a miséria, a amizade verdadeira, a camaradagem, o amor, o luxo e a humilhação que o levarão de volta a sua terra natal para vivenciar todo o mal que causara à família. Luciano, em Paris, perde suas ilusões de escritor e o pouco de caráter o honra que possuí, e em muitos momentos o leitor chegará a sentir ódio pelo personagem, para em outros, diante dos sofrimentos, torcer por uma reviravolta que o leve a posição almejada.
As personagens femininas merecem um parágrafo à parte: O autor diversifica bastante os detalhes de comportamento das mulheres em sua obra. São em geral mulheres fortes, astuciosas e decididas – seja para jogar em sociedade utilizando peripécias e meios sujos de obterem posição social ou vingança, seja para garantir a sobrevivência da própria família em momentos de apuro.
Balzac consegue traçar uma linha tênue entre vaidade e honra, quebrada algumas vezes, por motivos pessoais e/ou financeiros. Ele retrata uma sociedade moralmente decadente e as dificuldades de manter-se em luta por seus objetivos sem envolver-se em um mar de lama – E acredite, o autor consegue mesmo criar personagens capazes de manter a pureza de princípios em meio a tudo e todos. Além de traçar este retrato de costumes, mostra-se um retrato político da época. É um livro descritivo, cheio de períodos longos, porém não chega a ser cansativo.
Uma curiosidade sobre a obra: No decorrer do livro, surge a interação de personagens de outras obras do autor, o que inicialmente trás certo desconforto, mas depois acaba por despertar o desejo de ler os livros citados. Muito embora seja um dos clássicos da literatura francesa, apresenta um vocabulário acessível, de compreensão tranqüila.  Pesquisei e descobri que não houve adaptação cinematográfica para o livro, o que é ao mesmo tempo um motivo de lástima e de alegria para os amantes da boa literatura.
Sem dúvida, indico a leitura, principalmente se você pretende dedicar-se a literatura, pois perceberá, com o tempo, que o trecho que lhes deixo, é bastante verdadeiro:
“Para fazer obras belas, meu pobre rapaz, terá de, a penadas de tinta, esgotar seu coração de ternura, de seiva,de energia, e ostentar paixões, sentimentos, frases! Sim, escreverá em lugar de agir, cantará em vez de combater, há de amar, há de odiar, há de viver, em seus livros; mas quando tiver reservado suas riquezas para o estilo, seu ouro e sua púrpura para os personagens, tendo de andar em andrajos pelas ruas de Paris, feliz por haver criado, rivalizando com o Registro Civil, um ser chamado Adolpho, Corina, Clarissa, Renato ou Manon, quando houver estragado sua vida e seu estômago para dar vida a esta criação, há de vê-la caluniada, traída, vendida, deportada para as lacunas do olvido pelos jornalistas, sepultada por seus melhores amigos”
Desanimador? Talvez, mas ainda assim, há ainda outro trecho cheio de verdades:
“Quando uma águia cai, quem pode saber em que fundo de precipício se deterá? A queda de um grande homem é sempre proporcional a altura em que chegou”
E de que vale chegar às alturas por meios escusos, acumulando inimigos e devendo favores que não possam ser cumpridos com a consciência limpa? A obtenção da glória e do poder por meios escusos só garante uma grande queda sem rede de proteção rumo ao abismo.

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