Imagem: Google
Manipulação: Ane Braga
Passos apressados na chuva. Mãos escondidas no bolso do grande casaco. Quem acompanhava, com olhares receosos por sobre o ombro.
Inconformidade... Papéis amassados no bolso do casaco, as lágrimas da chuva caíam também, e assim molhava o chapéu coco. Algumas gotas no papel.
“Apresse-se”. O outro fazia questão de conferir se não estavam sendo seguidos.
A porta de madeira rústica fechou num som surdo na boca da rua. Não havia calçadas. Poucos carros passavam por ali. O paralelepípedo molhado era escorregadio.
“Pode me dar seu casaco”, disse um baixo. O alto entregou, e o outro agradeceu. Foram convidados a se sentar. Um bigodudo estava com cartas às mãos.
Antes de começar, mais pessoas se juntaram à sala. Algumas moças, outros rapazes, uns senhores desalinhados... De tudo havia lá.
Inconformados. Depois de um momento de silêncio, o bigodudo começou a falar. Palavras tristes deslizavam de sua boca para os corações de quem as ouvia, e ecoavam quebradas pela sala aquecida por uma brasa ardente.
Ele, inconformado, questionava-se. Por que tamanho ódio? Por que tanto ódio? Quanto ódio! Por que tanto ódio no mundo? Tanta indiferença, e ao mesmo tempo, atenção ao desnecessário... E o desrespeito e discriminação.
Uma ou outra moçoila deixou escapar um soluço encharcado. Seus olhos baixos. Baixos por tanto tempo. De tanta gente. Por causa do ódio...
O medo e, ao mesmo tempo, a coragem de dizer em alto e bom som “eu”.
“Eu” é o nosso tema de hoje. 19h. Beco do Barro.
Cada um recebeu uma carta como essa. Era, na verdade, uma nota. E o pouco que dizia era um grande texto, para todos que a receberam.
Não todos, de fato. Nas mãos do Chefe, ele se perguntava o que faziam toda semana às 19h, e por quê. Jurou sua vida para segui-los e destruí-los, se fosse o caso. Conseguiu uma legião de seguidores enorme determinada a machucá-los.
Os “os” em questão, por sua vez, dedicaram-se a procurar esconderijos diferentes de quando em quando, sempre escapando entre os dedos do Chefe. O que faziam de diferente? Amavam diferente.
Em seus casacos pesados, chapéus amassados, papéis estraçalhados, dignidade quase totalmente no chão – quase. Seus sonhos: levantar o que restava dela.
O que se sucedeu foi nada mais que o seguinte: uniram-se. E assim também o Chefe e sua legião.
No caminho chuvoso, depois da estrada seca, o Beco Barroso – ou do Barro. O fato é que era enlameado. E lá se encontraram os “os” e o Chefe. Os restantes também estavam lá.
O Chefe cuspiu palavras más. Cuspiu maldições. Cuspiu toda a sua podridão que guardava há anos no lugar do que chamaríamos de “coração”.
“Escória da sociedade. Porcarias errôneas, ignorantes pútridos. Se quiserem viver nesse mundo, tratem-se”, dizia o Chefe. Maldizia, aliás. E a legião acompanhava.
Do outro lado, alguns choravam – sentiam-se um pedaço de dejeto. Sentiam-se abandonados até por si mesmos, como se tudo o que acreditavam fosse errado. Alguns, depois de ouvirem as palavras, pensaram se não era melhor ceder, e tentar se ajustar àquilo que “era certo”. Alguns ficaram tão confusos que se mostravam catatônicos. O bigodudo deu um passo à frente.
“Por que tanto ódio?”, perguntou. Somente perguntou.
E fervorosamente, o Chefe respondia com mais maldições. Condenava e julgava, e destruía o que pudesse restar de coragem dos “Os”. Dos “outros”. Dos “diferentes”.
Uma moçoila viu-se no chão algum tempo depois. Seus companheiros a ajudaram. O bigodudo nada mais disse. Deu um passo atrás e se pôs firmemente à direção do Chefe, que não parava de cuspir.
O Chefe justificava: “não serão desse mundo, enquanto eu viver. Não permitirei, e assim fará minha legião”.
E o bigodudo: “que assim seja”. Nada mais disse. Os “diferentes” deram as costas àqueles que os negligenciavam tão ferozmente.
Que tirei de tal história? Nada tirei de tal história, eu criei a história acima. Que há dela tirar? Não sei responder à tal pergunta, mesmo porque não há fim para ela.
O que imagina que se passa acima? Quem serão os “diferentes”? Quem será a legião?
Você, leitor, jamais saberá de fato o que eu quis dizer. Mas com certeza ficou com uma pequena pulga, nem que por um segundo, para saber de quem falo, do que se trata. Se, de fato, isso acontecer, terei conquistado meu objetivo.
Por que perguntar sobre o amor? Pergunte-se a si mesmo. Você, leitor, sabe o que eu amo? Sabe quem eu amo? Sabe quem me ama? No final, que importa?
Eu não sei, é só que muitas vezes não entendo alguns mundos. Algumas pessoas. Queria entender. Por que será que os “diferentes” eram chamados de escória? Se não há resposta para isso, então eis a resposta em si. Se há uma resposta pronta, então eis um problema. Porque se para esse questionamento há uma resolução, há também uma certeza. E sei que certeza não pode existir no mundo. No meu mundo, pelo menos, não pode.
Quero concluir. O que é amor para você? É realmente possível responder em uma linha? É possível responder imediatamente? Não imediatamente. Há quem não me respondeu. Há quem me escreveu um texto. Se somos tão diferentes em nossas respostas, é possível generalizarmos?
É possível rotularmos? É possível categorizarmos? Julgar?
Só lhes pergunto, caros leitores, para finalizar:
Quem
é
o seu
amor?
"O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta".
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Cansei de histórias de amor e morte. Quero conhecer quem passa na rua.
"O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta".
1 Coríntios 13:4-7
Muito obrigado, Hadara, por estar aqui entre nós, contribuindo com a nossa cultura.
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