“Quem chora
cortando cebola é mulher ciumenta” – Letícia estava cansada de ouvir o velho
dito popular em casa. As lágrimas rolavam involuntárias para fora dos olhos
conforme a cebola ia sendo cortada em pequenos quadradinhos, mas desta vez não
havia ninguém por perto para repetir essas velhas crendices – Letícia havia
saído de casa há dois anos, criando asas e voando para longe, bem longe. Sem
dramas ou decepções, apenas o curso natural da vida. Seu mundo agora era uma
kitnet, um colchão, algumas roupas, cozinha pequena, ônibus lotado, oito horas
de trabalho e quase cinco horas de estudo, praticamente dezesseis horas fora de
casa. Letícia era tudo o que poderia ser naquele momento: Mulher, trabalhadora,
estudante, jovem. A única coisa que Letícia não era é ciumenta, apesar das
lágrimas dizerem o contrário. Era cuidadosa, presente, carinhosa e um tanto
super-protetora, mas jamais ciumenta. E de repente, ali, enquanto preparava
aquela salada morna de lentilhas para o jantar, ela sentiu como se uma lâmpada
se acendesse sobre sua cabeça, igual nos desenhos animados quando a personagem
tem uma ideia: Ela precisava contar alguns novos fatos para sua família que
ficara lá no interior do Estado e, sem querer, a cebola resolvera seus
problemas. Limpou as mãos no pano, pegou o celular e discou, agradecendo mentalmente
pelo desinteresse familiar sobre tecnologia e chamadas de vídeo. Ao terceiro toque, o telefone foi atendido e
ela reconheceu de pronto a voz da mãe. Conversaram e, como quem nada quer, ela
citou estar preparando aquela tradicional salada “- Ah! Menina ciumenta! Deve
ter chorado horrores cortando a cebola, hein?!”, a mãe disse em tom zombeteiro.
Era exatamente essa reação que Letícia esperava para contar as novidades: “-
Chorei sim, mas ciumenta, ciumenta, eu não sou. O ditado, no meu caso, saiu
errado! Se eu fosse ciumenta, não estaria neste exato momento preparando a mesa
para o meu namorado e o namorado dele, que agora é meu namorado também,
portanto, seus genros, jantarem comigo”.
E assim, Letícia, deixando uma perplexa Dona Lígia ao telefone, imaginou
ter desmentido a verdade popular que ouvira desde pequenina – Mal sabia ela que
a recém descoberta poliafetividade estava longe de ser um indício de ausência
completa de ciúmes. Mas isso é um capítulo para outro prato.
Salada morna de lentilhas
1 folha de louro
1 xícara (chá) de lentilhas
1 colher (chá) de sal
1 cebola inteira
2 colheres (sopa) de azeite
3 cravos da índia
2 colheres (sopa) de vinagre
2 dentes de alho picados
1 xícara (chá) de cebola picada
2 colheres (sopa) de salsinha
picada
2 colheres (sopa) de cebolinha
picada
1 xícara (chá) de pimentão picado
Deixe
a lentilha de molho por pelo menos doze horas e escorra. Espete os cravos na
cebola inteira e coloque na panela, junte as lentilhas e o louro e adicione
água fria até metade da panela. Tempere com sal. Cozinhe em fogo baixo até as
lentilhas ficarem macias, porém firmes. Escorra e retire o louro e a cebola.
Transfira as lentilhas para uma tigela. Misture os outros ingredientes e
incorpore à lentilha.
(Autora: Darlene R. Faria)
Nenhum comentário:
Postar um comentário